Nuestra parte de noche, Mariana Enriquez
- Andate, mi amor. Dejame. Yo no puedo irme pero vos sí, podés escapar de mí, de ellos. No hay nada, Rosario, son campos de muerte y locura, no hay nada y yo soy la puerta de esa nada y no voy a poder cerrarla. No hay nada que buscar, nada que entender.
- Nunca voy a dejarte. Pedime otra cosa.
- Si no vas a irte, no me dejes solo. Ni aunque te mueras. Perseguime como un fantasma, haunt me.
- Por supuesto - le contesté -. Haría cualquier cosa por vos.
Piranesi, Susanna Clarke
Estou determinado a explorar o máximo que puder do Mundo ao longo de minha vida. Com esse objetivo, viajei até o Noningentésimo Sexagésimo Salão do Oeste, o Octingentésimo Nonagésimo Salão do Leste e o Setingentésimo Sexagésimo Oitavo Salão do Norte. Galguei aos Salões Superiores onde as Nuvens se movem em lenta procissão e as Estátuas aparecem de repente em meio às brumas. Explorei os Salões Inundados onde as Águas Escuras são atapetadas con ninfeias brancas. Vi os Salões Abandonados do Leste, onde Tetos, Pisos - às vezes até Paredes! - ruíram e a penumbra é cindida por raios de Luz acinzentada.
Em todos esses lugares, parei diante das Passagens e olhei para a frente. Nunca percebi qualquer sinal de que o Mundo estivesse se aproximando do Fim, apenas a sequência regular de Salões e Passagens rumo ao Longínquo.
2666, Roberto Bolaño
Eu sabia que escrever era inútil. Ou que só valia a pena se você estivesse disposto a escrever uma obra-prima. A maior parte dos escritores se engana ou brinca. Talvez enganar-se e brincar sejam a mesma coisa, duas faces da mesma moeda. Na realidade nunca deixamos de ser crianças, crianças monstruosas, cheias de machucados, de varizes, de furúnculos, de manchas na pele, mas as crianças afinal de contas, isto é, nunca deixamos de nos aferrar à vida pois que somos vida. Também se poderia dizer: somos teatro, somos música. Da mesma maneira, poucos são os escritores que renunciam. Brincamos de ser imortais. Nós nos enganamos no julgamento das nossas próprias obras e no julgamento sempre impreciso das obras dos outros. A gente se vê no Nobel, dizem os escritores, como quem diz: a gente se vê no inferno.
Kentukis, Samanta Schweblin
Se Alina tivesse decifrado melhor o que era exatamente um kentuki, não teria comprado um aparelho, e sim optado por "ser" kentuki, sem dúvida nenhuma era uma condição que lhe caía muito melhor. Embora no fim, se a gente não escolhe os pais que tem, nem os irmãos, nem os animais de estimação, por que então teria a liberdade de escolher de que lado de um kentuki estar? As pessoas pagavam para ser seguidas feito um cachorro o dia todo, queriam alguém real mendigando seus olhares.
Temporada de furacões, Fernanda Melchor
... e um dia, caralho, casualidades da vida!, por pura zoeira, ia passando pela rua essa louca, que de vez em quando aparecia em Villa toda vestida de preto, com aquele véu que cobria seu rosto por completo, a quem chamavam de Bruxa, e sua mãe apontou para ela e disse a Brando: viu só? Aí está a bruxa para levar você, e Brando ergueu o olhar e se deparou com aquele espectro grotesco, e saiu correndo feito doido pra dentro de casa, onde se escondeu debaixo da cama, e passou um bocado de tempo antes que o coitado se atrevesse a brincar na rua de novo, tamanho era o medo que a Bruxa provocou nele; um medo que, com o tempo, conseguiu varrer para debaixo do tapete de sua memória, mas que ressurgia toda vez que precisava ir com seus amigos para a curtição na casa [dela]. Porque a Bruxa sempre pagava as brejas e o trago, e às vezes até as drogas, desde que o pessoal ficasse na sua casa, de onde ela nunca saía. Um casebre que se erguia em meio aos canaviais de La Matosa, logo atrás do complexo do Engenho, uma construção tão feia e repelente que Brando achava que era uma carapaça de uma tartaruga morta mal sepultada na terra.
menção honrosa para: A origem do mundo: uma história cultural da vagina, Liv Strömquist; Severance, Ling Ma; Os despossuídos, Ursula K. LeGuin; Ensinando a transgredir, bell hooks; Correntes, Olga Tokarczuk; Torto arado, Itamar Vieira Jr & a trilogia d'O problema dos três corpos, do Cixin Liu.
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