a substância oculta dos contos, yolanda reyes (trad. suzana ventura)
E nesse continuum da linguagem, a escrita como trabalho de passar pela vida recolhendo e lavrando pedrinhas para torná-las símbolos, para que quando um leitor as junte com as suas sinta que alguém o reconhece e o chama por seu nome.
Essas lições culturais não são evidentes e precisam ainda ser ensinadas num sentido profundo que transcende o didático. Teríamos de ensinar, por exemplo, e creio que essa é a razão que nos convoca nessas páginas, que os livros, antes de tudo, foram vozes de gente, histórias de gente e que a experiência de pertencer a uma família humana também se reflete num horizonte de consciência comum representado na linguagem.
un lugar soleado para gente sombría, mariana enriquez
Había dos chicos afuera. Al principio me alivié, pero después los miré bien y el miedo que sentí no pude explicarlo después y no pude explicarlo entonces y no puedo entenderlo ahora. Estaban mal. Eran el Mal. No hay palabras para la sensación que producían. Yo no soy supersticiosa. sé que hay cosas raras y que mucha gente las cree, pero me resultam ajenas, pura incredulidad. Pero esa noche el cuello se me endureció al instante y entendí a qué se refería la gente con piel de gallina, con escalofríos de terror, con los pelos de la nuca erizados.
a viagem inútil: trans/escrita, camila sosa villada (trad. silvia massimini felix)
A literatura é um gesto de amor, dizia Borges.
Convoca o gesto de amor, como o leitor que guardou todos os meus textos que agora posso recuperar para descobrir que amadurecer nem sempre é melhorar. Que não importa que se passem muitos anos, a escrita não é melhor ou pior, apenas muda.
Que tudo isso que escrevo nada mais é do que um ato de amor por mim mesma, que às vezes sou tão estúpida que não consigo enxergar isso. Não consigo ver o carinho que proporciono a mim mesma quando escrevo. Um carinho desajeitado que muitas vezes se parece com um golpe, mas é assim que as fêmeas transportam seus filhotes, mordendo-lhes a pele do pescoço sem causar dor.
sacrifícios humanos, maria fernanda ampuero (trad. silvia massimini felix)
Morríamos de vontade de saber o que acontecia atrás dessas portas, embora soubéssemos instintivamente que não haveria lugar para nós ali, que nossos defeitos se multiplicariam até nos tragar, que seríamos uma hipérbole de nós mesmas, espelhos ambulantes de feiras: a gordinha, a mulher-macho, a magrela, a atarracada, a pelancuda. Assim como as garotas bonitas juntas potencializam sua atratividade, sobrepondo com suas virtudes grupais qualquer defeito, e se embelezam umas às outras até que brilhem como uma única e grande estrela, garotas como nós, quando estamos juntas, se transformam num espetáculo quase obsceno, exacerbando nossos defeitos como num show de horrores: nós somos mais monstras.
futuro ancestral, ailton krenak
Quando eu falo em adiar o fim do mundo, não é a este mundo em colapso que estou me referindo. Esse tem um esquema tão violento que eu queria mais é que ele desaparecesse à meia-noite de hoje e que amanhã a gente acordasse em um novo. No entanto, efetivamente, estamos atuando no sentido de uma transfiguração, desejando aquilo que o Nêgo Bispo chama de confluências, e não essa exorbitante euforia da monocultura, que reúne os birutas que celebram a necropolítica sobre a vida plural dos povos deste planeta. Ao contrário do que estão fazendo, confluências evoca um contexto de mundos diversos que podem se afetar.
menção honrosa: soy una tonta por quererte, camila sosa villada; desglaç | degelo, maria mercè marçal (trad. be rgb & meritxell hernando marsal); a analfabeta, agota kristóf (trad. prisca augustoni) & tehanu, ursula k. leguin (trad. heci regina candiani).